segunda-feira, 22 de março de 2010

Sobre b, a, ba's

Parece ser meio-dia e há crianças uniformizadas brincando em frente a um grande muro branco, próximo de um portão de ferro marrom com a tinta parcialmente descolada, talvez pelos maus hábitos de muitos jovens, que vivem futricando com seus dedos minúsculos e inquietos toda casquinha de tinta que surge, rendendo-lhes o prazer compulsivo de arrancar tiras de tinta. Por certo é uma entrada de colégio classe média semelhante a tantas outras: Um porteiro simpático que abre e fecha sorrisos para todos que cumprimenta e logo em seguida se despede; o vendedor de canetas entre outros produtos paraguaios; aquele homem com cara de velho que vende "chope", refrescos congelados dentro de um saquinho plástico, para serem chupados por algum cantinho arrancado do saco, com os dentes.
Uma mulata, quase morena, de cabelos escuros presos num rabo-de-cavalo, que tem coxas grossas de carne musculosa, aproximou-se, pelo lado de fora do portão e cumprimentou, com reciprocidade de simpatia, o porteiro. Veste uma camisa regata amarela, justa ao busto, e uma bermuda jeans. Parece estar por volta de seus vinte, ou vinte e dois anos, seus seios estão firmes como pêras empinadas, talvez por influência dos sutiãs de hoje, que retardam, e enganam, os efeitos da gravidade ao corpo humano com muito mais eficácia. Mas não se pode negar a propensão à beleza natural que ela possui. Enquanto segue entrando pelo portão, ainda atraindo o olhar masculino do porteiro, uma criança alva de pelos loiros e lisos corre em direção à moça, rosto avermelhado, ofegante e sorridente, não deve ter mais que um metro de altura. A criança escalou a mulata e deu-lhe um abraço melecado de suor. Dir-se-ia ser sua mãe, não fosse a diferença óbvia de fenótipo entre eles. É uma cena bela, como a que se costuma passar em comerciais televisivos. É possivel que seja uma empregada doméstica, uma babá, que cuida do menino. Agora, pouco importa se é ou não, a mulata suculenta, mãe ou empregada do garotinho preguento e feliz, afinal o que existe ali torna-se belo pelos significados que um tem para o outro. Torna-se essencial para determinar o valor dessa relação determinar se ela é mãe ou empregada dele?
Passado algum tempo, o garotinho desce da mulata e começa a tagarelar com entusiasmo sobre cada descoberta do dia. Ela assente com a cabeça mostrando interesse nas palavras do menino, presta atenção no rosto minúsculo que expressa-se erguendo as sobrancelhas e gesticulando com os braços. Pegara o material escolar dele e dirige-se à saída, levando o garoto pendurado em si. Despediu-se do porteiro e continuou sorrindo, é uma fêmea aparentemente formidável, dessas que qualquer macho saudável em idade fértil sente vontade de conhecer. Segue caminhando com uma mochila num dos braços e o moleque com cara de ratinho no outro.
Um ônibus escolar de forma imprecisa estacionara paralelamente à calçada em frente ao grupo de garotos que agora estavam formando fila e entrando no veículo climatizado, que é pago pelos pais à empresas terceirizadas para buscar e levar suas crianças num colégio, tendo a impressão de que assim os mantêm em segurança. É um ônibus que após desaportar do portão do colégio saíra do centro da cidade até chegar em um bairro periférico, onde passará por ruas comerciais, com cheira-colas pelas esquinas e moradores de rua estirados pelas calçadas, até que chegam num enorme condomínio fortificado que mostrará um mundo organizado, limpo e falso.
A frente do colégio está vazia. O porteiro se recolheu para o lado de dentro do colégio e encostara o portão. O camelô arruma suas coisas, não é dia de atividades extra-escolares, não tem motivos para prolongar seu mercado ali, hoje. Já o vendedor de chope espera a saída dos alunos mais velhos para então dispensar-se do serviço diário.
E eu? apenas me resta ser o espectador que constrói uma narrativa para as imagens que vejo diante dos meus olhos, assim como uma criança aprende que "b" mais "a" é "ba"

2 comentários:

  1. A gravidade decerto ferra com a vida de todo mundo.
    Não é um dos melhores, mas eu gostei.
    Te amo.

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  2. "dessas que qualquer macho saudável em idade fértil sente vontade de conhecer."

    Gostei como o "conhecer" quebrou minha expectativa. É que tu estavas numa linha de pensamento e palavras... A suavizada foi interessante. uhee

    ABs.
    Keep doing this.

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