quarta-feira, 21 de abril de 2010

Ponto final.

Cala a boca,
que as palavras, na verdade,
são prantos vaidosos.
Como a lágrima narcisista,
de um suicida,
dos olhos no espelho
da grande sala de estar.
A certeza da dúvida,
não leva a algum lugar.
Por isso gritas, para que
possas garantir a insegurança
que assuma algum posto:
como a frágil taça de um bom vinho,
que se parte,
apenas para manchar.
Por isso, cala a boca,
para não errar.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Sobre reprises.

O televisor já estava ligado quando Pedro abrira a porta de casa. Sem muita atenção na voz metálica que imperava no ambiente à meia-luz, aproximou-se da fonte: uma caixa preta com uma película luminosa de vidro, que com a aproximação, faz o brilho ficar cada vez mais intenso. Agora aquela luz incomoda seus sentidos, as imagens invadem sua retina, bombardeiam seu cérebro de impulsos não desejados. As notícias do almoço estão se repetindo no jornal noturno. Uma apresentadora bonita, negra, de discurso imparcial, recita o as informações a respeito de um escândalo político nacional, algo sobre a descoberta de um esquema de distribuição de recursos públicos de forma bem privada.
Pedro largou as chaves da casa do lado da tevê, sobre um aparelho de vídeo k-7 afuncional. Pôs o dedo polegar sobre o botão que desliga a tv, não o pressionou. Se o fizesse, aquela sala se transformaria. Seria, então, silencioso e escuro. Consegue ser facilmente devorado por seus pensamentos, que são catalisados pela ausência de luz e de sons, pois os sentimentos tornam-se mais intensos, concretos e, consequentemente, definíveis. Isso era exatamente o que não queria: materializar o que há dentro de si. Quando era mais jovem e tinha fé, e ainda vivia com seus pais, acreditava que esses sentimentos renderiam bons textos ou então quadros subjetivos de leitura profunda; porém resultaram-lhe apenas em noites mal dormidas e isolamento.
Faz uma semana que o aparelho de televisão não é desligado. Têm se tornado habituais tempos como esse, "tempos de fuga", como costuma classificar. Olha fixamente a janela. Não surge nenhum pensamento, apenas o barulho incessante da TV, que entorpece-o. "Será que alguém assiste essa porcaria, ou apenas aturam-nas para evitar seus vazios?", indagou-se, Pedro. Prefere acreditar que as pessoas criam manias e vícios para esconder coisas desagradáveis que são iminentes, do que se conformar de que vive num lugar com pessoas de senso crítico tão baixo que engolem qualquer porcaria que é imposta.
O telefone toca. É a harmonia de uma música clássica num toque polifônico do telefone sem fio. Pedro encontrou-o debaixo de umas amolfadas de estampas cafonas. Atendeu-o antes de repetir a melodia aguda pela terceira vez. "Alô", falou, Pedro, em uma voz mais grave que a habitual. Em resposta, uma rajada de palavras preencheram seus ouvidos:
-Não aguento mais essas mulheres que gostam dos gordos, isso não é natural. Caramba! a seleção natural não pode ter passado milênios privilegiando os genes dos machos másculos e saudáveis para que no final esses desgraçados hipertensos de bocas sujas de asas de frango fritas ponham suas mãos nas nossas mulheres!
-Não sei o por quê de ainda me surpreender com suas ligações, Lúcio. - disse Pedro num tom sério.
-Sério, é um absurdo uma mulher chegar e dizer: "ah, gosto de apertar um fofinho". Isso não existe, gordos em geral são nojentos, molengas e patéticos. Ainda mais nesta cidade, vivem suando e são inhaquentos. Imagine cada pneuzinho, cada prega. Urgh!
-Você é gordo, Lúcio. - Pedro já conhece o habitual humor negro de seu antigo colega de faculdade. É comum não conseguir identificar quando ele não está brincando - Deixe de ser um chauvinista hipócrita.
-Lá vem você com seu falso moralismo, Pedro.
-Meu caro amigo vou desconsiderar o que disseres a partir de agora, pois da última vez que te dei papo, me tomastes duas horas, preso num telefone pra explicar aquela tua teoria de que deus era diabo e o diabo era deus.
-Errônea, por sinal. Eles não existem.
Fez-se silêncio por um breve momento.
-Ainda estou te ignorando.
-Tás bem?
-Sim.
-Sim?
-Uhum - reafirmou, Pedro.
-Faz muito tempo que não falas de ti.
-Nem é - mentiu.
Fez-se outro silêncio.
-Tudo bem, cara, só quero que saibas que podes falar comigo se sentir vontade. Vou desligar, apenas pensei em ti.
-Tás falando como uma bicha, agora. Deixa de drama, nem és disso. Eu nunca mais tive algo para contar, só isso, minha vida tá bem calma.
-Se dizes, tá bom.
-Sim, tá bom.
-Tchau.
Desligou o telefone. Voltou a perceber a voz otimista e a música de encerramento do jornal. Lúcio e Pedro tinham uma relação muito próxima enquanto estudaram história na faculdade. Pensa, "As coisas mudaram. Nos formamos. Quando comecei a trabalhar naquele colégio, passei a ser meu próprio dependente financeiro, meus sensos de responsabilidade modificaram. Não consegui manter a confiança nele, o conheço demais. Não é mais o meu comparsa de aventuras juvenis. Seria um juiz, que avaliaria minha situação, me deixaria nu, olharia e aprovaria ou então teria repúdio. Não preciso de uma sentença, não quero uma. Não preciso me expor. Mas até que ponto vale ter uma relação mantida de inércia? sempre me pergunto isso e acabo me trancando, assim como faço nessa casa que era dos meus pais."
Sente culpa, a preocupação de Lúcio bagunçou os sentidos de Pedro. O consome. As vozes da novela que começou são irritantes, falam gritando, é apelativa. "Essa maldita TV", disse, antes de desligar. Escuridão. E tudo agora é nada. Silêncio total.

domingo, 18 de abril de 2010

O mundo.*

O mundo ocorre,
rápido, vivo, violento,
tudo que concorre.
Enquanto estou aqui,
é todo assim.
Sem dias bons, ou ruins e,
às vezes, ainda acho.
Que o mundo é teu umbigo
e eu, um único pingo,
perdido, em ti.
Nadando um planeta inteiro.
Os olhos, apenas mentem,
fazem daqui um lugar seguro.
Pois não somos mais estranhos.
E nada mais importa,
de cheiros, e sabores,
é o meu mundo inteiro;
de nós dois.


*à Camila.