quinta-feira, 1 de julho de 2010

Nem mais cinco minutos.*

É garota, só quero que te vires pra que eu possa olhar com meu olhar mais carnívoro o que o teu me oferece de bom.
Vejo que me negas, vejo que hoje morrerei faminto de ti, e não tens o direito de agora me negar o que só, então, agora voltei a sentir de perto.
Me trazes vida.
Tua boca fumante tem sido meu desejo perpétuo de toda segunda-feira.
Mas foi por causa desses negros olhos teus que tive o peito acelerado e cúmplice do desastre que estás para me ocorrer. Ainda espero que me digam boas notícias tuas que me nutram bons sonhos e péssimas noites de sonos.
Por essa razão, talvez, prometo em segredo não te amar tanto a ponto de sofrer por isso.


*De 21/09/2009

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Bagunça.

São objetos arremessados por uma janela aberta de uma casa de dois andares. Calças jeans, camisas de botão, sapatos e até uma bola de futebol que ainda quicava rumo à sargeta. Apenas um sujeito parado, olhando estático, sob a janela. Parece que é ele o alvo dessa revolta que resultou numa bagunça de pertences em plena via pública. Na janela, uma mulher prepara-se para atirar com toda a força as coletâneas de cd's dele. A face dela, abrindo e fechando a boca e contraindo seus músculos de forma que movimenta a sobrancelha, revelando rugas por todo o rosto. É uma mulher irada, nos seus trinta, ou trinta e quatro anos.
Os curiosos, em suas janelas de apartamentos num prédio do outro lado da rua, notam e comentam a calma daquele cara parado na beira da rua olhando com estranha indiferença a mulher, apesar de todos os gritos histéricos e bestiais que xingavam-no sem parar.
Agora já estão no asfalto os pedaços soltos das capas dos discos de jazz e alguns dos Beatles. Não se vê coisas assim todos os dias, em plena madrugada. Um sujeito barbudo e de cabelos desgrenhados que se confundem com a própria barba está chegando perto, usando de como manto uma coberta azul listrada em branco com manchas de sujeira marrons. Tinha se levantado de algum canto escuro que escolheu para então passar a noite, caso não houvesse acontecido todo esse vexame que atraía cada vez mais espectadores. É um sujeito de passos descontraídos, quase dançantes, graciosos. Os olhos negros, inspecionam os objetos do chão. Pegou um disco e chegou próximo do homem plantado sob a janela.
Abriu a boca e falou sem hesitar:
- Cara, tu estás ferrado. Não tem conserto pra isso - disse o mendigo, olhando a face arranhada do disco que juntou.
- Parece que não tem mesmo. Olha só ela, me odeia. O estranho é que não me importo, não me sinto nem bem nem mal.
- Não, não. Ah, sim. Ela não sabe o que faz, és um sujeito tão boa-pinta, não se estraga um relacionamento só por que se arranja uma outra - aponta com seu dedo indicador para a mulher - olha só pra ela, tá toda estragada, o braço treme todas as gorduras só de jogar essas coisinhas, fizestes o certo.
O homem que estava apático, fez uma cara de indignação e olhou para o mendigo. Movimentou os lábios sem sair algum som e então disse:
- O quê!? Quem te disse que eu arranjei outra?
- Minha incrível sensibilidade para esses assuntos, sou um expert - disse, observando mais alguns itens no chão.
- És um bêbado abusado, isso sim. E eu não arranjei outra mulher.
- Ora, ora, que injúria! Vou ficar com esta bermuda como uma forma de compensar sua afronta. E pra sua informação não estou bêbado, nunca mais tive tanto dinheiro para isso...
- Ok, cara, vai embora.
- Que ingratidão, tento te ajudar e sou tratado com essa estupidez. Ainda estou olhando umas coisas que podem ser úteis, aqui...
- Não é questão de certo ou errado. Essa mulher foi a pessoa em quem eu depositei mais confiança, agora ela está louca só por que fui honesto demais.
- Nossa cara, o que você disse de honesto para ela? - o mendigo fez um olhar de interesse - que você gostaria de transar com uma cabra?
- Nossa, você é doentil!
- Experimenta passar alguns anos na rua e não se espantará mais comigo.
- Como viver com a alguém que você não conhece? Você percebe que após dois anos vivendo com uma habitual desconhecida, aquilo que não tinha significado continuou assim, e as expectativa de que se torne algo, se perde, vira rotina, mecânico. Sim, disse isso para ela.
- E pelo visto ela discordava de você.
- Mas estou de consciência limpa.
- Ao menos isso. E o que vais fazer, agora?
- Não sei ainda. Acho que vou esperá-la terminar de esbravejar.
A mulher terminou sua performance de irritada batendo com força a janela por onde arremessou tudo que conseguiu identificar como do sujeito amigado do mendigo. Passado algum tempo, o homem continuou sua conversa com o pedinte peludo, mas agora estavam rumando em sentidos contrários, todos procurando fazer aquilo que lhes dão equilíbrio.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Nudez.

As tetas sob minhas mãos nuas
esconderijo inviolável, paixão,
de necessidade e carícias.

Me chamar de indecente
é usar de palavras que não quer,
para poder vestir-se com as máscaras e fantasias
criadas por velhos religiosos que não têm fé.

A mentira é como um acessório para aparência e personalidade.
Esqueça as maquiagens e dogmas, respectivamente.
Apenas mostra a mentira que todos conhecem, enquanto
debaixo disso, és tão animal quanto qualquer outro,
sem roupas e preconceitos, linda.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Dia primeiro.

Mais um dia que passa.
Recebo como um presente
o ar, que respiro e que flui
entre os dedos da mão que acena.
É de nada para lugar nenhum.
Ainda é possível acreditar que
essa é a data de algo, e não
consigo lembrar.

É mais um cigarro sobre o cinzeiro
queimando o ar, para continuar vivo.
Ele ou eu, competindo,
obscenos.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Sobre o clima.

Listras verticais e cinzas caem do céu. À distância, os prédios parecem com desenhos fracos, translúcidos sobre uma tela branca. De perto, em movimento, as gotas de chuva parecem ser de prata, mas observando com maior atenção, o pingo, disforme sobre a palma da mão aberta, é apenas água suja de fuligem e sabe-se lá o que mais.
Clarão. Um raio cheio de ramificações, como as veias sobressaltadas na pele de quem sente raiva, surge. Ameaçador. É luminoso e hipnótico. O horizonte é de novo cinza e as coisas transparentes, quase esquecidas. Queria ter fé em deus, porém a única crença que existe é a de que mais cedo ou mais tarde o trovão virá. É tão fácil acreditar na ciência, é o simples entendimento da ação e reação. É óbvio que quando ocorre uma explosão decorrente de uma gigante descarga elétrica, é agitado o ar, que gera ondas acústicas que percorrem quilômetros até chegar aos ouvidos, como acaba de ocorrer. Mas bom mesmo seria acreditar que esse estrondo é um berro divino incompreensível aos homens, anunciando o apocalipse que exterminará os indivíduos de comportamentos moralmente inaceitos. Certamente o mundo seria melhor se os injustos fossem punidos. Eles não o são. E a cidade está aí. Nenhum demônio devorará alguma alma, nem deus abençoará, ou vice versa. Continua aí, desaparecendo debaixo do temporal, cinza, sujo de tanta humanidade. Ninguém me punirá, ou perdoará, verdadeiramente além de eu mesmo.
E quando o clima age violentamente, não é deus quem nos castiga, é só o resultado, a reação, da ação do homem sobre ele mesmo. Não é tão estranha a sensação de que somos todos idiotas que batem com as suas cabeça repetidamente numa parede esperando que alguém tenha dó. Mas essa, também, não é a única sensação. Os sentimentos são como estações que substituem-se. Numa hora somos onipotentes, noutra, os cordeiros esperando o abate.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Ponto final.

Cala a boca,
que as palavras, na verdade,
são prantos vaidosos.
Como a lágrima narcisista,
de um suicida,
dos olhos no espelho
da grande sala de estar.
A certeza da dúvida,
não leva a algum lugar.
Por isso gritas, para que
possas garantir a insegurança
que assuma algum posto:
como a frágil taça de um bom vinho,
que se parte,
apenas para manchar.
Por isso, cala a boca,
para não errar.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Sobre reprises.

O televisor já estava ligado quando Pedro abrira a porta de casa. Sem muita atenção na voz metálica que imperava no ambiente à meia-luz, aproximou-se da fonte: uma caixa preta com uma película luminosa de vidro, que com a aproximação, faz o brilho ficar cada vez mais intenso. Agora aquela luz incomoda seus sentidos, as imagens invadem sua retina, bombardeiam seu cérebro de impulsos não desejados. As notícias do almoço estão se repetindo no jornal noturno. Uma apresentadora bonita, negra, de discurso imparcial, recita o as informações a respeito de um escândalo político nacional, algo sobre a descoberta de um esquema de distribuição de recursos públicos de forma bem privada.
Pedro largou as chaves da casa do lado da tevê, sobre um aparelho de vídeo k-7 afuncional. Pôs o dedo polegar sobre o botão que desliga a tv, não o pressionou. Se o fizesse, aquela sala se transformaria. Seria, então, silencioso e escuro. Consegue ser facilmente devorado por seus pensamentos, que são catalisados pela ausência de luz e de sons, pois os sentimentos tornam-se mais intensos, concretos e, consequentemente, definíveis. Isso era exatamente o que não queria: materializar o que há dentro de si. Quando era mais jovem e tinha fé, e ainda vivia com seus pais, acreditava que esses sentimentos renderiam bons textos ou então quadros subjetivos de leitura profunda; porém resultaram-lhe apenas em noites mal dormidas e isolamento.
Faz uma semana que o aparelho de televisão não é desligado. Têm se tornado habituais tempos como esse, "tempos de fuga", como costuma classificar. Olha fixamente a janela. Não surge nenhum pensamento, apenas o barulho incessante da TV, que entorpece-o. "Será que alguém assiste essa porcaria, ou apenas aturam-nas para evitar seus vazios?", indagou-se, Pedro. Prefere acreditar que as pessoas criam manias e vícios para esconder coisas desagradáveis que são iminentes, do que se conformar de que vive num lugar com pessoas de senso crítico tão baixo que engolem qualquer porcaria que é imposta.
O telefone toca. É a harmonia de uma música clássica num toque polifônico do telefone sem fio. Pedro encontrou-o debaixo de umas amolfadas de estampas cafonas. Atendeu-o antes de repetir a melodia aguda pela terceira vez. "Alô", falou, Pedro, em uma voz mais grave que a habitual. Em resposta, uma rajada de palavras preencheram seus ouvidos:
-Não aguento mais essas mulheres que gostam dos gordos, isso não é natural. Caramba! a seleção natural não pode ter passado milênios privilegiando os genes dos machos másculos e saudáveis para que no final esses desgraçados hipertensos de bocas sujas de asas de frango fritas ponham suas mãos nas nossas mulheres!
-Não sei o por quê de ainda me surpreender com suas ligações, Lúcio. - disse Pedro num tom sério.
-Sério, é um absurdo uma mulher chegar e dizer: "ah, gosto de apertar um fofinho". Isso não existe, gordos em geral são nojentos, molengas e patéticos. Ainda mais nesta cidade, vivem suando e são inhaquentos. Imagine cada pneuzinho, cada prega. Urgh!
-Você é gordo, Lúcio. - Pedro já conhece o habitual humor negro de seu antigo colega de faculdade. É comum não conseguir identificar quando ele não está brincando - Deixe de ser um chauvinista hipócrita.
-Lá vem você com seu falso moralismo, Pedro.
-Meu caro amigo vou desconsiderar o que disseres a partir de agora, pois da última vez que te dei papo, me tomastes duas horas, preso num telefone pra explicar aquela tua teoria de que deus era diabo e o diabo era deus.
-Errônea, por sinal. Eles não existem.
Fez-se silêncio por um breve momento.
-Ainda estou te ignorando.
-Tás bem?
-Sim.
-Sim?
-Uhum - reafirmou, Pedro.
-Faz muito tempo que não falas de ti.
-Nem é - mentiu.
Fez-se outro silêncio.
-Tudo bem, cara, só quero que saibas que podes falar comigo se sentir vontade. Vou desligar, apenas pensei em ti.
-Tás falando como uma bicha, agora. Deixa de drama, nem és disso. Eu nunca mais tive algo para contar, só isso, minha vida tá bem calma.
-Se dizes, tá bom.
-Sim, tá bom.
-Tchau.
Desligou o telefone. Voltou a perceber a voz otimista e a música de encerramento do jornal. Lúcio e Pedro tinham uma relação muito próxima enquanto estudaram história na faculdade. Pensa, "As coisas mudaram. Nos formamos. Quando comecei a trabalhar naquele colégio, passei a ser meu próprio dependente financeiro, meus sensos de responsabilidade modificaram. Não consegui manter a confiança nele, o conheço demais. Não é mais o meu comparsa de aventuras juvenis. Seria um juiz, que avaliaria minha situação, me deixaria nu, olharia e aprovaria ou então teria repúdio. Não preciso de uma sentença, não quero uma. Não preciso me expor. Mas até que ponto vale ter uma relação mantida de inércia? sempre me pergunto isso e acabo me trancando, assim como faço nessa casa que era dos meus pais."
Sente culpa, a preocupação de Lúcio bagunçou os sentidos de Pedro. O consome. As vozes da novela que começou são irritantes, falam gritando, é apelativa. "Essa maldita TV", disse, antes de desligar. Escuridão. E tudo agora é nada. Silêncio total.

domingo, 18 de abril de 2010

O mundo.*

O mundo ocorre,
rápido, vivo, violento,
tudo que concorre.
Enquanto estou aqui,
é todo assim.
Sem dias bons, ou ruins e,
às vezes, ainda acho.
Que o mundo é teu umbigo
e eu, um único pingo,
perdido, em ti.
Nadando um planeta inteiro.
Os olhos, apenas mentem,
fazem daqui um lugar seguro.
Pois não somos mais estranhos.
E nada mais importa,
de cheiros, e sabores,
é o meu mundo inteiro;
de nós dois.


*à Camila.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Sobre b, a, ba's

Parece ser meio-dia e há crianças uniformizadas brincando em frente a um grande muro branco, próximo de um portão de ferro marrom com a tinta parcialmente descolada, talvez pelos maus hábitos de muitos jovens, que vivem futricando com seus dedos minúsculos e inquietos toda casquinha de tinta que surge, rendendo-lhes o prazer compulsivo de arrancar tiras de tinta. Por certo é uma entrada de colégio classe média semelhante a tantas outras: Um porteiro simpático que abre e fecha sorrisos para todos que cumprimenta e logo em seguida se despede; o vendedor de canetas entre outros produtos paraguaios; aquele homem com cara de velho que vende "chope", refrescos congelados dentro de um saquinho plástico, para serem chupados por algum cantinho arrancado do saco, com os dentes.
Uma mulata, quase morena, de cabelos escuros presos num rabo-de-cavalo, que tem coxas grossas de carne musculosa, aproximou-se, pelo lado de fora do portão e cumprimentou, com reciprocidade de simpatia, o porteiro. Veste uma camisa regata amarela, justa ao busto, e uma bermuda jeans. Parece estar por volta de seus vinte, ou vinte e dois anos, seus seios estão firmes como pêras empinadas, talvez por influência dos sutiãs de hoje, que retardam, e enganam, os efeitos da gravidade ao corpo humano com muito mais eficácia. Mas não se pode negar a propensão à beleza natural que ela possui. Enquanto segue entrando pelo portão, ainda atraindo o olhar masculino do porteiro, uma criança alva de pelos loiros e lisos corre em direção à moça, rosto avermelhado, ofegante e sorridente, não deve ter mais que um metro de altura. A criança escalou a mulata e deu-lhe um abraço melecado de suor. Dir-se-ia ser sua mãe, não fosse a diferença óbvia de fenótipo entre eles. É uma cena bela, como a que se costuma passar em comerciais televisivos. É possivel que seja uma empregada doméstica, uma babá, que cuida do menino. Agora, pouco importa se é ou não, a mulata suculenta, mãe ou empregada do garotinho preguento e feliz, afinal o que existe ali torna-se belo pelos significados que um tem para o outro. Torna-se essencial para determinar o valor dessa relação determinar se ela é mãe ou empregada dele?
Passado algum tempo, o garotinho desce da mulata e começa a tagarelar com entusiasmo sobre cada descoberta do dia. Ela assente com a cabeça mostrando interesse nas palavras do menino, presta atenção no rosto minúsculo que expressa-se erguendo as sobrancelhas e gesticulando com os braços. Pegara o material escolar dele e dirige-se à saída, levando o garoto pendurado em si. Despediu-se do porteiro e continuou sorrindo, é uma fêmea aparentemente formidável, dessas que qualquer macho saudável em idade fértil sente vontade de conhecer. Segue caminhando com uma mochila num dos braços e o moleque com cara de ratinho no outro.
Um ônibus escolar de forma imprecisa estacionara paralelamente à calçada em frente ao grupo de garotos que agora estavam formando fila e entrando no veículo climatizado, que é pago pelos pais à empresas terceirizadas para buscar e levar suas crianças num colégio, tendo a impressão de que assim os mantêm em segurança. É um ônibus que após desaportar do portão do colégio saíra do centro da cidade até chegar em um bairro periférico, onde passará por ruas comerciais, com cheira-colas pelas esquinas e moradores de rua estirados pelas calçadas, até que chegam num enorme condomínio fortificado que mostrará um mundo organizado, limpo e falso.
A frente do colégio está vazia. O porteiro se recolheu para o lado de dentro do colégio e encostara o portão. O camelô arruma suas coisas, não é dia de atividades extra-escolares, não tem motivos para prolongar seu mercado ali, hoje. Já o vendedor de chope espera a saída dos alunos mais velhos para então dispensar-se do serviço diário.
E eu? apenas me resta ser o espectador que constrói uma narrativa para as imagens que vejo diante dos meus olhos, assim como uma criança aprende que "b" mais "a" é "ba"

terça-feira, 16 de março de 2010

Le voyeur.

Uma festa. É um salão escuro, luzes multicoloridas fazem com que as paredes do recinto e o rosto das pessoas tomem cores diferentes a cada dez segundos, roxo, depois verde, amarelo, azul, vermelho e de novo roxo. Pedro está sentado junto a uma mesa, num canto discreto, longe do centro do salão, onde há profusão de gente: estão transitando, dançando e se embebedando. Tem uma quantidade razoável de pessoas, cerca de dois indivíduos para cada metro quadrado.
Pedro olha para seu copo. Está sobre a mesa, é um copo cilindríco, semienvolto por um lenço de papel já úmido. Um líquido esbranquiçado estava depositado até um pouco acima da metade do recipiente. Uma batida de vodka com alguma fruta cítrica e leite condensado. Uma bebida como qualquer outra, ele sonda rapidamente com o olhar o seu arredor e vê, pelo menos, mais oito pessoas com a mesma bebida. Volta o olhar para o copo. Nenhum vislumbre, ergueu-o, um desenho circular foi revelado, produzido pelo fundo molhado do copo sobre a mesa refletia os efeitos luminosos do salão. Olhou por alguns segundos como o único admirador daquele evento e trouxe o drinque aos seus lábios. Deu uma leve golada com os olhos fechados, sentiu um ardor percorrer a língua até chegar à garganta e engolir aquela bebida, agora, aguada. Depois tentou reposicionar o copo em seu lugar.
Soa uma música de ritmo eletrônico dançante cantada num idioma estrangeiro, Pedro tenta reconhecer o que é dito. A tentativa é frustrante, e a música aparenta ser repetitiva e irritante. Olha a multidão dançante. Estavam todos coloridos, refletindo as luzes vindas do teto.
De repente a as palavras tomaram formas inteligíveis, como palavras que são ditas descompassadas e lentas por um bêbado. Entendeu a letra em inglês, é a música que fala sobre uma grande festa em que todos se divertirão. A batida parou e a voz bêbada continuou viva. Pedro girou apenas sua cabeça, olhou para trás e ali estava, não muito distante, uma garota, esteticamente agradável e bêbada, cantando as palavras, sentada noutra mesa. Erguia os braços de forma intensa como de quem pede bis. A música retomou, e lia-se no rosto dela a sua satisfação, deu uma boa golada em sua lata de cerveja, se pôs em pé, esticou sua coluna e ficou nas pontas dos dedos, com os braços erguidos, agitados, molhando quem está próximo, enquanto solta uma espécie de uivo para o alto. Pedro admirou a desinibição dela até o momento em que começou a parecer ridícula. Engoliu o resto de sua bebida aguada.
"Não me cai bem isso", ele pensou. Se referiu tanto à bebida quanto à boate. Então repentinamente tudo pareceu extremamente patético e audacioso: Aquele aglomerado de pessoas dançando parecia falso, como a gravação de um clipe musical classe c com todos agindo sob estímulo de álcool e um conjunto de batidas eletrônicas sobrepostas em alguma canção internacional que faz sucesso. Aquele salão fechado parece uma grande clínica lotada de desesperados que inventam algum significado para esse contexto. "Não conseguirei mentir pra mim de forma tão óbvia. Não estou tão desesperado para ser feliz assim, detesto toda essa atmosfera artificial".
Pedro julga os outros como a si, que não vê sentido naquilo, mas que estão tentando se divertir. Por achar que apenas conseguiria agir convenientemente se estivesse drogado, e que estaria drogado apenas se estivesse tentando fugir de uma verdade insuportável, acaba menosprezando as motivações dos outros, que não parecem viver uma vida insuportável. É uma forma bem simples de, Pedro, inflar seu ego e seguir adiante esperando uma chance de se sentir relaxado e leve.
O barman cortês, mas de um olhar superior que parecia gozar de todos a quem servia, havia engatado cinco cervejas nos braços dum rapaz de óculos, magro, alto e desengonçado. Antes de entregar o copo de refrigerante de limão a Pedro, perguntou se iria querer misturar whisky na bebida gaseificada. Negou discretamente com a cabeça e pegou o copo. "Nem a saidera, chefe?", insistiu o balconista. Pensou se responde ou não, foi odiável a forma como ele pronunciou "chefe". "Não, nem a saidera", retrucou ao barman. O refrigerante gelado fez com que sua cabeça contraísse, e sentiu-se como se estivesse subindo rapidamente num elevador. Sim, atingira a sobriedade novamente, se readaptava ao fluxo de pensamentos e estímulos a que lhe ocorriam.
Vê a cantora empolgada e porre de mais cedo, estava ajoelhada, encharcada de suor e álcool, com os braços e a cabeça apoiados na parede próxima à entrada do banheiro, havia uma poça, no chão, de algum fluido que excretara pela boca, talvez. "Aquela moça bonita continuou ridícula", Pedro se pôs a lamentar. A noite estava acabada, não poderia lhe render mais nada. Não rendeu nada. Agitou a cabeça para a direita e para a esquerda algumas vezes. Não ficou tonto. "É, posso dirigir", concluiu. Enquanto seguia à saída, as luzes fluorescentes foram acendidas. O som da batida repetida de toda a noite continuava, mas agora ignorada. Aquela massa viva de gente que circulava e cantava, no claro, parecia uma horda de zumbis procurando alguma integridade ou trocados para pagar a bebedeira da noite inteira.
Fora, estava calmo, algumas pessoas dormiam apoiadas em seus joelhos, sentadas na calçada. Os ponteiros marcam além do número quatro no relógio de uma grande farmácia que tem como logomarca o Big Ben, do outro lado da rua. O céu estava escuro e o clima agradável. "Isso, sim, me cai bem", Pedro sussurrou enquanto sorria para aquele ar sólido e penetrante da madrugada. Tragou mais um pouco daquele ar, antes de entrar no veículo e sentir o cheiro de cigarro impregnado em sua pele, roupa e cabelos. Enquanto liga o motor do veículo, pensa em como aquele bom-tempo acaba rápido, que logo estaria na garagem de seu prédio, e que os dias voltariam a ficar recheados de horas vazias.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Desconversa.

É, eu também fico satisfeito em te ver. Eu não estou frio, sente só a minha mão. Brincadeira, haha, pode rir se quiser. Não é apenas impressão sua, estou um pouco distante, mesmo, não sei ao certo no que penso. Suspeito sobre o que seja. Pois bem, não se assuste, apenas traduzirei meus sentimentos: Não estou gostando de ti neste momento, é uma espécie de indiferença, entende? Na verdade sinto atração física, mas não é suficiente para que eu goste de ti.
Certo, pare de chorar, por favor seja um pouco racional, pare de soluçar. Sei que disse que gostava de ti, mas faz algum tempo, era diferente, eu sentia prazer, eu era necessário na tua presença. Hoje, sinto apenas que estou no mesmo carro que tu. Estás aí chorando me achando frio, só por eu estar pensando se te beijo ou não. Me chame de louco, mas que fique claro que apenas não nego minha capacidade de voltar a gostar de ti daqui a poucos minutos.
Não seja tola, ninguém tem sentimentos perpétuos, nós não somos eternos. Se eu te amo, e atravesso uma rua te amando e então sou atropelado e morto, o sentimento acabou com a morte. Sentimentos são impulsos, estímulos ao nosso organismo. Mortos, não temos sentimentos. Pois bem, meus estímulos para gostar de ti estão fracos.
Não te chateie tanto, é apenas um momento meu. Posso tentar me explicar. Sinto tua falta. É, eu sinto que posso te amar, não agora. Essa tua cara de preocupada massageia meu ego, me deixa contente. Não entenda mal, o que me deixa tranquilo é saber que te importas com a nossa relação. Não sou sádico, ok, talvez só um pouco.
Vem aqui, chega mais. Estou vivo agora. Achas que se eu não acreditasse que isso que nós temos pode ser bom ainda por um bom tempo eu estaria aqui ainda, perdendo tempo? Poisé, você quem começou a perguntar por que estou frio e blá, blá. Façamos o seguinte, vamos apenas viver, paremos de falar a respeito das minhas convicções e opiniões. O importante é que sabes que não serei incoerente. Não! claro que não mentirei sentimentos, isso inclusive é impossível, pelo menos para mim.
Se acalme, acho bom que descanses, desça desse carro e entre na sua casa, já estou parado aqui há muito tempo, posso até ser multado se ficar mais um pouco. Estou cheio de coisas no pensamento. Quando aliviar minha cabeça, talvez eu me sinta suscetível a sentir. Sim, isso mesmo. Não se preocupe, jamais trataria você com desrespeito. Apenas tente ficar bem, eu te telefono. Tchau.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Sobre o que é material.

"Pneus deslizando sobre o asfalto", identificou o som que acabara de lhe acordar. Manteve os olhos fechados. Detesta a forma como as pessoas são expansivas e conseguem estragar o seu bom humor. "Que rebentem os pneus e façam capotar o carro desse boçal imbecil que provavelmente dirige alcoolizado.", imaginou e sorriu, sem rancor.
Abrira os olhos repentinamente. Viu o teto branco e seu ridículo ventilador. Deitado, tentando adaptar os olhos à iluminação e foco necessários, pôs as duas mãos em seus cabelos e agitava-as repetidas vezes. Levantou suas costas com esforço e apoiou-se nos cotovelos. Viu a única janela, que havia deixado aberta para entrar o ar renovado. Detestou por um instante a janela por lembrar que o som vindo do lado de fora se propagara por ali. Os cotovelos doeram-lhe. Sentou-se. O peso dos braços doía em seus ombros. Está tenso, dorme mal já faz algum tempo. Anda preocupado com a ideia de arranjar um emprego, tem se mantido com alguns trocados que seus pais lhe dão de bom grado. Detesta isso, culpa seus pais por ser preguiçoso. "Tenho idade e saúde necessárias para trabalhar. Mas não, aqueles porcos querem me bancar até os trinta anos de idade." Não os culpava inteiramente, foram educados para educar desta forma superprotetora.
Enxergou com dificuldade a hora marcada no relógio digital sobre a cômoda. Quatro e trinta e dois da manhã. Levantou, não está zonzo, dirige-se à janela, enfia a cabeça pra fora. Percebe a escuridão de fora, olha para a pista, iluminada por vários círculos de luz, resultantes da distribuição dos postes a cada cinquenta metros, como seu pai um dia explicou-lhe na infância. Buscou por rastros do carro, na rua. Não achou. Pensou, "O filho da puta pode ter me acordado, mas ele tem um emprego e dinheiro para um carro."
Olhou seu apartamento, um quarto-sala simples. Ele acha mais que suficiente, sabe que se vivesse em um carro estaria igualmente satisfeito. "E ainda deixaria de pagar este aluguel", pensou com prazer na ideia. Dirigiu-se ao banheiro. Dentro, acendeu a luz. Tem olheiras escuras. Percebeu seus cabelo, sobrancelhas e barba, gostou de sua aparência, sorriu com vaidade para si. Olhou-se com narcisismo por um curto tempo, até que um pensamento autocrítico desconsertou-o: "Mas que belo hipócrita sou, coberto de produtos, meu cabelo, minhas roupas, este banheiro! Todos produtos, o dinheiro compra tudo isso". Duvida de sua liberdade, pensa, "sou capaz de largar isso se tiver vontade?".
Olha seu reflexo: um sujeito parado com um imenso mosaico de azulejos ao fundo. "Sou este?", pensou. Tocou a superfície de sua bochecha, não se sente real, pensou, " sou este debaixo dessa merda toda?". Raiva. Pode se livrar daquilo quando sentir vontade? A pergunta sufocava-o. Viu o barbeador no balcão onde fica a pia, posicionou aquela lâmina perto de sua têmpora esquerda e passou-a ali, raspando a lateral do couro cabeludo. Haviam mechas remanescentes da raspagem malfeita. Com um olhar avaliativo percebeu que sangrava por um pequeno corte, um fino rastro de sangue escorria até seu queixo. "Ele sangra", disse. Uma espécie de fraternidade por si mesmo, dominou-0. Umedeceu sua mão e passou-a em sua face. Olhou a palma de sua mão que estava coberta com aquele sangue aguado com alguns pelos por cima. Não sangrava mais. Viu sua aparência tosca e gargalhou sem pensar. Não sentia vontade de continuar o serviço, não tinha mais a mesma determinação desesperada de três minutos atrás. "Amanhã decido o que fazer com o resto do meu cabelo", concluiu o pensamento, tranquilo.
Apagou a luz do banheiro. O quarto está iluminado apenas pela luz que entra pela janela da rua. Apenas aquela atmosfera azul e silenciosa, naquele quarto. Deitou-se de costas para a janela. Olhava sua silhueta na parede, quando fechou os olhos, as silhuetas formaram imagens. Divertia-se, ainda, com sua figura repulsiva. Teve sono logo, está sóbrio e relaxado, sente-se senhor de si.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Sobre a necessidade.

Felipe caminha fechado, com as duas mãos nos bolsos dianteiros de sua jaqueta negra. Ele gosta daquela jaqueta, sempre lamenta não poder usá-la durante o dia, vive numa cidade quente. Passos curtos e rápidos pela calçada. É uma avenida larga, arborizada. A calçada é estreita quando comparada à área destinada para os carros. Atravessava pelo olhar despretensioso de mendigos, ali, ainda acordados, olhando o nada. Felipe não encarava-os. Não que tivesse medo daqueles homens com aspecto de inúteis. Era assombrado pela idéia de encontrar a si nos olhos deles, como já ocorrera antes. Felipe ficaria introspectivo a imaginar o que levaria ele próprio a chegar àquele estado, e não lhe parecia algo tão difícil. "Não me acostumo a isso, mas hoje não encararei estas faces. Tenho apenas alguns trocados em meu jeans, que poderei fazer hoje?", pensou. Seguiu por uma transversal que cortava a avenida em que estava. A rua estava deserta. Felipe estava só, e era assim que ele se sentia.
Andou mais duas quadras. Chegara no bar&café onde tinha combinado. Havia apenas um carro prata simples estacionado em frente. Pensou, "deve ser o dela". Felipe havia tido um dia difícil. Para ele existiam escalas para avaliação dos dias, nos extremos estariam "trágico" e "medíocre". Elaborar adjetivos e hierarquizá-los nessa escala lhe distrai. "Difícil" estava mais próximo de "medíocre" que de "trágico", portanto estava de bom humor, digamos assim. Sentiu uma vontade súbita de ver aquela mulher, "Isabela deve estar sentada na mesa perto da janela", sussurrou. Sentia prazer ao dizer aquele nome, repetiu sorrindo para si, "Isabela". Ainda em frente ao bar&café, ansioso, tentou ver se Isabela estava na janela. Eram três da manhã de uma terça-feira, as persianas estavam abaixadas. A tensão em seu corpo aumentou, sentia o coração pulsar. Aproximou-se da porta, um grande segurança negro a abriu. Desejou boa noite e entrou no recinto, tirou as mãos dos bolsos da jaqueta e esfregou uma na outra. "Não estão suadas", tranquilizou-se. Isabela estava onde havia imaginado. Estava diferente, pensou, "talvez seu cabelo, ou então a maquilagem". Felipe, definitivamente, sabia que era Isabela. A tensão do seu corpo se esvaía. Teve, novamente, a certeza de que a presença daquela mulher poderia transformar qualquer dia ruim em medíocre, sorriu ao perceber isso. Se conhecem há quase quatro anos, cursavam a mesma faculdade de cinema. Falavam-se diariamente. Hoje, não têm mais contato cotidiano. Encontram-se de forma irregular durante as semanas para conversar. As madrugadas acabam sendo o momento mais oportuno para tais encontros, ambos são pessoas lotadas de afazeres durante o dia, e como estão numa cidade limitada de bons locais para sair, acabaram por frequentar o mesmo café há longo prazo.
Felipe aproximou-se:
- Graças a deus você chegou, estava ficando preocupada.- disse Isabela com uma voz levemente angustiada.
- Pare com isso, sabes que sou ateu.- Felipe sorriu para ela com ternura e sentou-se. Continuou - Desculpe o atraso, eu estava afoito, precisei caminhar um pouco. Foi um dia difícil.
- Você e suas classificações para os dias, nunca vi diferença em você e seus comportamentos, independente dos dias que você leva, e olha que conheço você há um bom tempo!
Felipe abriu um sorriso assentindo. Era verdade, Isabela jamais havia visto os efeitos de um dia ruim sobre sua personalidade. Se esforçou, mas não lembrou de uma vez sequer em que tenha se descontrolado diante dela. Ela lhe dá essa sobriedade. É seguro, confia nela. Detesta pensar nisso como uma amizade, é pouco. Transcendental seria o termo mais apropriado para definir o vínculo deles. Ele sente-se em paz.

- Havia alguns mendigos na Avenida Rio Branco. Me incomoda a falta de liberdade deles, porquê ficam ali sentados esperando a morte, ou algum trocado? - Perguntou indignado, Felipe.
- Talvez esperem uma oportunidade...- retrucou Isabela.
- Oportunidade para o que, tornar-se igual aos que eles têm raiva?- disse com agressividade. Controlou sua revolta e continuou - Entendo o que queres dizer, mas eles se conformam. Estão livres. Alguns nem pensam em sua dignidade, dormem bêbados sobre o próprio vômito, pelas calçadas. O que lhes falta para tomar uma iniciativa e tentar mudar isso?- Suspirou, desabafando.
- É a natureza humana. Somos todos uns grandes preguiçosos. Por alguns motivos, que desconheço, uns nascem com mais coragem que os outros. Acredito muito que se eles tivessem fé de que outra forma de vida diferente, e melhor, é possível, seria de grande estímulo.- disse, com a sobriedade e simplicidade que Felipe admirava.

Felipe pensou em si, "não fosse Isabela, não sentiria prazer neste instante. Conversaria com Paulo, ou Teodoro, talvez, mas não iria ser a mesma coisa. Gosto da sua presença, me sinto necessário, vejo que sente prazer em me ouvir e eu de falar para ela". Segurou a mão de Isabela e disse subitamente, "Eu gosto de você". Isabela inclinou-se para frente, sorriu com afeto para Felipe. Queria ser beijada. Beijou-a. Olharam-se cordialmente, pediram um café. Ajeitou-se ao lado de Felipe. Olhando-a encostada no seu ombro, sua mente ficou tapada. Queria apenas estar com ela.

São apenas dois animais. Têm vidas diferentes. Desejam-se diferentemente. Talvez completem-se, suas necessidades mudam, os seres humanos mudam. As realidades são diferentes. Felipe é um ser vivo que veste sua jaqueta preta e deseja, nesse momento, Isabela. Depois desejará viver num lugar mais frio, com menos pessoas morrendo ao seu redor. Talvez volte a querer Isabela, ou sabe-se lá o quê.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Conversa de quarta-feira.

Acho bom que não me pergunte o por quê da minha insistência em falar contigo. Sabe, andei pensando em como as coisas que me são tangíveis acabam se desfazendo entre meus meus dedos quando as toco. Não estou fazendo drama algum, e é óbvio que estou me referindo ao sentido figurado, oras.
Comecei a pensar nisso, hoje, no banheiro. Sim, eu havia acabado de tomar um banho quente, saía do box e me defrontei com o espelho embaçado do armário, onde ficam as escovas de dente. Senti-me angustiado com minha solidão. Decidi ver minha cara. Pensei, "a solidão é quando sinto necessidade da presença de alguém", fiz uma pausa. Continuei,"tenho quase 21 anos e o que aconteceu às pessoas que conheci?".
Estendi o braço direito de forma delicada para limpar a superfície inútil do espelho. Esbarrei sem querer na armação da estrutura oval que contorna o espelho. Ela se soltou e caía. Apático, eu disse, "merda". Terminei de limpar umidade que se acumulara no espelho. Vi meus olhos. Enquanto olhava aquele olhar indiferente, me pus a pensar, "será que eu sou o desastrado que destrói tudo o que toca, ou serão as coisas frágeis demais?". Fechei os olhos por alguns segundos e virei a face, não gostaria de ter que me olhar de novo. Sem olhar minha cara, pus a armação novamente em seu lugar. "Isso é fácil de consertar." Pensei, livre dos outros pensamentos, e sorri.
Sei que estás me ouvindo, por mais que estejas calado e olhando pra essa revista. Bem sei que não gostas de falar sobre essas coisas, também. Estou falando dos meus pensamentos, não do que faço quando estou no banheiro. Eu sei que ocorreram no banheiro, mas poderiam ter acontecido em qualquer outro lugar. Maldita hora em que citei o banheiro, conseguistes o pretexto que querias para fugir de conversar comigo. Também pouco me importa se queres falar a respeito, sei que você me ouviu. E se eu sinto vontade de falar isso é só para não me sentir tão solitário assim.
Enquanto folheias essa revista que, muito provavelmente, traz as novas modas do momento; penso em como, talvez, meus vínculos familiares, amorosos e afetivos são frágeis. Pelo menos estou apredendo a lidar com isso, olhe só para nós dois.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Começo.

Numa busca de sobriedade e libertação das ideias eu começo minha manifestação de vida aqui neste blog.
Você pode não acreditar, mas eu preciso fazer isso para me sentir vivo. E se você não acredita, é porque, provavelmente, ainda tem que aprender algo sobre as necessidades das pessoas e os comportamentos que elas assumem na expectativa de não encarnar a vida que elas são subordinadas a viver.
Pois bem, aceito como realidade tudo que existe e pode ser captado via nossos sentidos. E nós, somos quem têm esses sentidos e tenta dar um entendimento lógico a tudo isso. Vocês, são o que eu acho que são. A puta pode ser uma mera puta para mim, para outro, pode ser uma mãe.
Não entendo ao certo quem eu sou. Não consigo ter certezas ao olhar para mim. Gostaria muito de escolher uma profissão, ou outra atividade qualquer e definir-me e etiquetar o que eu faço. Assim como tenho a impressão que os outros fazem.
Simplesmente não dá. Me sinto limitado e rotulado. Quando tenho certezas, são todas negativas: eu não quero isso, nem aquilo. Mas ainda essas estão tornando-se escassas e temporárias. Já fiquei muito tempo incomodado com a falta de certezas. Na verdade o incômodo foi só uma falta de auto-afirmação-egocêntrica que a juventude nos obriga a buscar, demorei demais para entender que eu não era o único a estranhar aquelas pessoas tão, digamos, bem definidas.
Ok, talvez tudo isso não me tenha ajudado a arranjar um objetivo que sirva de base pra modelar minha vida. Porém tenho compreendido o quanto a liberdade pode ajudar na construção de ideais e princípios, isso tudo sem maniqueísmos.
Vivo nessa realidade surreal, onde as pessoas parecem reais até o momento que me aproximo delas. Eis a minha apresentação a vocês que são, ou não são, enfim.